sábado, 29 de maio de 2010

Jamie Cullum no Coliseu



O meu querido Jamie.


A sério, é só o que consigo pensar.
Estou a falar claro da passagem do enorme senhor Jamie Cullum no Coliseu, dia 25, e que estas duas fiéis cronistas tiveram o prazer de assistir e ouvir. E que prazer caramba. O relato do concerto da passada terça não podia, de todo, passar em branco mas sinceramente continuo sem saber bem onde meter as minhas palavras para fazer justiça ao que se passou ali: é entrega, admiração, respeito e a estranhíssima sensação de dever cumprido, quase de alma cheia, penso.

Ironicamente, lá está ele no programa hoje do Herman para nos relembrar porque é que gostamos tanto dele. É claro que gostamos e até já o tinha confessado anteriormente algures por aqui e aqui, mas o que o que está verdadeiramente na origem disto continuo sem saber bem o que é. Provavelmente é a diferença entre gostar de um artista ou estabelecer uma relação tão longa e enraízada com as músicas, de tal forma que estas já fazem praticamente parte do meu quotidiano; a ideia que podes voltar a ouvir aquilo uma e outra vez, ao longo destes anos todos, e que a mesma sensação de familiaridade e conforto estão lá inevitavelmente - seja para ouvir no aconchego das manhãs de autocarro, para acordar com uma genuína vontade de dançar ou para ser o cúmplice destes penosos dias de trabalho. É a presença quase omnipresente do secundário e a constante nesta entrada universitária. Tão simples quanto isso.

E depois porque, ao fim de uma série de bons concertos nestes últimos dois anos, este era simplesmente o grande que faltava. E logo no coliseu, um espaço já familiar e associado a boas memórias. Por isso lá estavam os bilhetes à espera pacientemente ao tempo - talvez durante demasiado tempo - mas com bom uso no final, sem dúvida.

O concerto abriu pacificamente pelos acordes acústicos dos Sweet Billy Pilgrim a marcarem o tom de informalidade que iria caracterizar o resto da noite. Sala ainda a encher, um público que corria praticamente todas as faixas etárias e a condicionante dos lugares sentados mantinha a atmosfera ainda suave. Confesso que a ideia de ter a energia frenética de tantas músicas limitadas a uma cadeira marcada me deixou meio apreensiva. Mas a sala ainda assim ficou rapidamente lotada (aliás, os bilhetes esgotaram desde o início a uma velocidade inacreditável) e a perspectiva que aquela seria uma noite calma ficou facilmente posta de lado, não muito mais tarde.

Pouco passava das 22h quando o nosso rapaz entrou munido do novo e fresco single I’m All Over It Now, tal e qual como tanto gostamos dele: cabelo desalinhado, o eterno ar de jovem irrequieto e o semi-informalismo de ténis com a camisa e gravata (dos quais se livraria) e que quase enganam o enorme virtuosismo no piano. No final da música, sai o blazer, atira-se de cabeça para um explosivo Get Your Way e, a meio da performance, já estava em cima do piano para rematar num dos épicos saltos que tão bem o caracterizam. O também frenético Just One of Those Things só acentua a vontade de saltar do lugar e a empatia com a audiência, se ainda existiam dúvidas, fica ao rubro.


“I hope you don’t mind a sweaty piano player!”


A cumplicidade e intimismo imediatos que Jamie cria com a plateia vão ser sem dúvida correspondidos ao longo da noite: nos minutos em que o músico fala, este mostra não ter só sentido de humor, humildade e uma relação directa de informalidade com o público, mas também faz com que as luzes incidam sobre um coliseu perfeitamente esgotado, apresenta os seus “irmãos e armas” e promete retribuir a dedicação do público português com um grande concerto, que em tudo tinha para superar quaisquer expectativas.

Seguem-se temas como All at the Sea fundido com Poker Face, o magistral If I Ruled the World, capaz de remeter todo o coliseu para um absoluto silêncio ou o original de Rihanna Don’t Stop the Music, desconstruído numa readaptação tão própria deste rapaz.


“This isn’t for me, this song.. because I’m not allowed really to talk about it anymore. Although it looks like I’ getting old enough to
 sing it.


No meio do saltitar ágil de acordes quase aleatórios de piano, o cantor, que na verdade já tem 31 anos, brinca com a abertura de um dos seus melhores singles quando alguém do fundo da sala grita justamente “I am a Twentysomething!”, introduzindo o ritmo tão familiar que marcou o álbum que o lançou para os olhos do mundo.

Segue-se beatbox, batuques frenéticos e uma genial readaptação de Frontin, com Jamie sozinho em palco para reafirmar a versatilidade e experimentalismo das suas actuações: momentos em a cappella, ataques de percussão e até brincadeiras com objectos que pareciam comprados na loja mais próxima do chinês dominam a cena. Sem quaisquer falhas ou momentos de quebra, temas como We Run Things, What a Difference a Day Made , Photograph ou These are the Days vão desfilando uns atrás das outras perante um público absorto.


“This can go very well or terribly wrong.. But at least you’ll remember how great was the first part of the show!”


Em Wheels, o último single lançado, Jamie desafia novamente o público, pedindo-lhe para tentar perceber a diferença introduzida na música quando a banda adopta uma escala diferente, e no vibrante I Get a Kick of You apenas a sua voz e o virtuosismo do contrabaixista hipnotizam a sala. O momento alto da noite, no entanto, ficou mesmo para o fim quando banda e intérprete descem do palco para se acomodarem no centro de uma plateia estupefacta - e meu deus. Caiem barreiras, cai a distância entre eles e o público e forma-se ali um ambiente e um intimismo que quase lembram a atmosfera de um café de rua, com metade das pessoas já de pé incapazes de perder aquele momento. Ainda por cima para abrir com uma versão de Cry Me a River. Belo, belo, belo.

No final, os medos iniciais de estar confinada a um banco desapareceram então completamente: de volta ao palco, o último apelo era apenas para que o público se levantasse, dançasse e disfrutasse ao som de Mixtape. E no final para que saltasse. E isto sim era casa, era tudo aquilo que queria e muito mais para além disso - não importava que entre máquinas, a vontade de ver e a vontade de me mexer, quase não me soubesse para onde virar.

Era simplesmente aquilo mesmo e nada mais.


A banda agradeceu e saiu mas obviamente do encore ainda se conseguiu arrancar um Wind Cries Mary e o tema do filme Gran Torino que remete todos para a mais absoluta atenção e expectativa. Acaba e as palmas não terminam - quando saímos ainda estamos de ressaca e mesmo passados estes dias todos continuo sem saber o que dizer excepto que não foi só o concerto do meu artista, de longe, mais querido como foi também obviamente foi o melhor concerto a que assisti.

Como alguém disse por aí, toda a gente devia assistir pelo menos a um concerto de Cullum na vida - faz bem ao ambiente e sem dúvida que me fez bem a mim.



God bless you Jamie. *

(a primeira imagem não é da minha autoria)

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