segunda-feira, 19 de setembro de 2011

20 anos

Acho que já nem jeito tenho para escrever. A verdade é que estou assustada. Devia parar de fumar. Não devia pensar em disparates. Só sei é que vou fazer 20 anos e ele não está cá para ver. Ele não está cá para me ligar e perguntar com aquela sua voz serena e rouca como me corre o curso e quando a próxima ida ao cinema que acabou de estrear um filme sobre política que podíamos ir ver juntos. “Sim, avô, mas diga-me lá: quer ir quando? Próximo fim-de-semana? Ok. Então deixe-me só ver as sessões.” E lá combinávamos nós. Ele vinha-me buscar a casa no seu mítico nissan sempre a ouvir as suas cassetes de música clássica. Chegávamos sempre à sala de cinema minutos antes. Parecia quase matemático.

Tenho tantas saudades. No meu último aniversário com ele ainda perto de nós, ofereceu-me o relógio que comprou em Paris com o seu primeiro ordenado da empresa onde trabalhava. O peso que senti ao pô-lo no meu pulso. Tão bom. A confiança, o carinho, a força para o futuro.
É horrível chegar a esta altura do ano. É tão chato fazer anos. Nem no seu seu aniversário ou na data da sua morte choro tanto. Agora, enquanto tento escrever estas linhas estupidamente melodramáticas, lacrimejo. Agora, enquanto vou ouvindo a voz fininha da Spektor, fungo. Agora, enquanto paro para olhar para o rio escuro iluminado apenas pelas luzes da outra margem, suspiro. Perco a postura toda. Fico uma menina. Mas é inevitável. A ausência fode-me o juízo. Atormenta-me mesmo. Caio no erro de ser repetitiva por de tempos a tempos ter estas saudades súbitas e quase incontroláveis, principalmente nestes dias. Daí já não chatear ninguém com isto. Só digo que tenho tido saudades e que sinto a sua presença. Mas poupo os detalhes ou a intensidade da coisa. Não sou uma mariquinhas. Só deitada na cama é que me dou ao luxo de, depois de um dia de trabalho, pensar e talvez lacrimejar e quiçá chorar.
Vinte anos depois e que mudou? Que tenho eu na minha vida agora? Sim, concentremo-nos no presente e só no presente unicamente. Bem, já devia ter a carta por esta altura mas a reprovação no código não motivou muito para a sua conclusão e eis que ando a ver se arranjo a dita vontade. Todavia tenho um namorado como deve ser há já algum tempo. O que tem de defeitos tem de qualidades. Protege-me, puxa por mim “De que raio estás à espera para fazeres a tua curta? Mexe-te!”, irrita-me “De que raio estás tu há espera para tirares a tua carta, oh parvo?”, pica-me “Mariquinhas”, canta-me ao ouvido “Querida é só de ti que vou gostar”. Faz-me bem e gosta de cinema. Simples. Ainda não fiz nenhuma curta masestou mais perto de a fazer. Tenho a história, a câmara, o guarda-roupa e o actor, pelos vistos. Falta a coragem, acho eu. Tenho um part-time com o meu pai e adoro. É onde me sinto eficaz, válida e empenhada seja a fazer o que quer que seja. E só me falta mais um ano de faculdade pela frente.
Não sei como vai ser o futuro, nem quero saber. Não me digam, não me indiquem. Não quero. Estou no presente. É nesta noite de segunda que escrevo este texto, é na terça que vou dormir com ele e é na quarta que vou fazer 20 anos. Este é o meu presente. Bom ou mau. Com saudades ou com beijinhos. Com lágrimas ou com gargalhadas. Com cafés e cigarros ou com chamuças e cervejas cobra. Com Spektor ou com silêncio.

Não quero saber de mais nada por agora.

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