terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Entre parênteses




O toque suave do vidro faz ecoar uma nota clara (como a campânula de um sino, lembro-me de ter pensado) que fica ainda a pairar alguns segundos. Penso que quando finalmente brindámos os meus dedos já estavam a ficar dormentes junto à base do copo, algo que nestes dias raramente me passa ao lado – confesso que começo a ficar cansada deste inverno gelado que me obriga sempre a manter o contacto por mãos frias, porém o frio e o vento são pano de fundo. Tinha muita coisa por onde brindar mas nestas coisas enrolo-me sempre nas palavras. Brindar, mas brindar a quê? É que no dia das frases feitas e dos pacotes “românticos” tudo o que se diz pode cair num lugar comum, e eu sempre tive muito pouca paciência para toda a procissão que envolve o dia de hoje. Podia ser o de amanhã ou de anteontem, pouco interessa pois é um pretexto. O que eu valorizo, isso sim, é o que está nos bastidores desses gestos, o que eles implicam, a forma de estar a longo prazo na sua vertente mais intimista. E nesse aspecto eu não podia ter maior forma de cumplicidade, admiração e paixão. O vinho é de facto inebriante, enche-me os pensamentos como tudo o resto. Sei que é heresia pensar isto em voz alta (pelo menos segundo o meu antigo testamento) mas sinto-me feliz neste momento: com a companhia, Lisboa à noite e as telhas debaixo de mim. Tenho muita coisa ainda para equilibrar e repensar, mas a heresia está em dizer isto apesar de tudo o resto. Ocorreu-me outro pensamento entretanto, quase em surdina: am I now one of the others? É um pensamento obscuro, não sei o que fazer com ele porque me sinto a mesma pessoa e porque tudo isto é apenas uma parte importante de mim - como todas as relações que mais prezo. Entretanto o corpo quase gelado e as horas cortam-me o pensamento e chamam-se à realidade.

Kim Basinger e Micky Rourke.

Sem comentários:

Enviar um comentário